Na mesma semana em que foi assassinado um cronista social, faleceu um capitão de Abril, ao primeiro a comunicação social dedica horas, ao segundo dedicou minutos, para o primeiro são ouvidas dezenas de «personalidades», do segundo nada se diz, do primeiro até temos de saber por onde vão ser distribuídas as cinzas, do segundo soube-se que o corpo esteve algures em câmara ardente, do primeiro traça-se um perfil de grande lutador pelas liberdades, do segundo pouco mais se diz que era um oficial na reserva.
A forma como a comunicação social tem tratado o homicídio de um mero cronista social tem sido, no mínimo, abusiva, são jornalistas, astrólogos, parapsicólogos e uma verdadeira procissão de personagens de um jet set rasca e, no meio, usa-se e abusa-se das imagens, onde se vê o cronista a entregar um ramo de flores a Maria Barroso, imagens que já vi serem repetidas quase uma dúzia de vezes.
A forma trágica como terminou aquilo que o cronista descreveu aos amigos que iria ser uma lua-de-mel, é apresentada por astrólogas, parapsicólogos e outros especialistas deste ramo, como uma bela história de amor, um misto de um episódio do Morangos com Açúcar, com o Romeu e Julieta. Chegamos ao ridículo de ver as astrólogas e parapsicólogos a tentarem demonstrar a culpa do jovem homicida, exibindo e-mails e insinuando que este teria conquistado com palavras o distraído apaixonado, dando a entender que como noutros tempos, o enganou.
E anda este país, com problemas gravíssimos, distraído com um episódio sórdido da lumpen-burguesia deste nosso jet set miserável, como uma pequena seita de gente que se auto-elege como bonita, vive de pequenos luxos obtidos à custa de papalvos, um meio onde se promovem personagens patéticas e decadentes a grandes figuras nacionais, onde autarcas financiam discotecas de astrólogas ou ajeitam as contas de idiotas, convidando-os para reis do Carnaval.
Todo este espectáculo mórbido, que só serviu para os portugueses saberem um pouco mais sobre se fazem e desfazem as paixões conseguidas com trocas de favores, começa a provocar-me náusea, já me custa assistir a um telejornal ou abrir as páginas dos jornais, enoja-me que estes jornalistas me queiram fazer pensar que os grandes problemas do país é como acabam as paixões dos nossos socialites, os sítios que querem poluir com as suas cinzas, ou os sms que trocaram com os seus engates.
Lá que insistam em dizer que crónica social é saber com quem namora uma qualquer Lili decrépita e decadente é uma coisa, agora que a sociedade portuguesa é o pequeno mundo dessa pobre gente é outra coisa. O país tem muito mais com que se preocupar, que com os engates de modelos, com as trocas de sms, com paixões à primeira vista entre jornalistas de 65 anos e modelos de 20. Chega, começo a sentir náuseas.
In O Jumento
Sem comentários:
Enviar um comentário